2 de janeiro de 2009

Traição

Naquela milésima fração de segundos, a bala atravessou a sua mente. Era apenas questão de tempo, para que ele alcançasse o chão e tudo estivesse acabado. Aquele momento parecia durar eternamente, enquanto o vermelho descia pelos seus óculos, lembrou-se exatamente de como chegara naquele derradeiro instante. Era apenas mais uma chuvosa manhã, ele levantara-se meio cego ainda. Colocou seus óculos como de costume e foi logo ao parapeito da janela. Mais uma triste manhã como as outras, nada em especial. Alguns passos em direção a porta, e percebeu uma carta jogada no chão. Foi devorando rapidamente os parágrafos enquanto crescia o sorriso em seu rosto. Ao terminá-la sua alegria era clara. Uma rápida olhada ao relógio na parede e percebeu que já estava atrasado. Vestiu-se rapidamente naquele quarto solitário, e já ia saindo quando um toque irrompeu o silêncio do local. Seu telefone tocava. Aquela voz metálica, falava algumas coisas sem sentido e não havia se identificado. O telefonema claramente tinha o abalado, mas mesmo assim precisava agir. Pegou rapidamente um pacote guardado em sua escrivaninha e deu uma última olhada na casa antes de fechar a porta. Mal sabia ele, que seria sua última vez naquele lugar. Encontrou um taxi parado próximo a porta, e entregou um pedaço de papel ao motorista.
-Por favor, rápido tenho um pouco de urgência.
Alguns minutos depois desceu do taxi apressadamente, e desapareceu pela rua mal iluminada. Ajeitou os óculos novamente e deu uma olhada de esguelha para o relógio em seu pulso. Apressou o passo, não poderia se demorar muito mais. Sentiu um ar gelado passando por seu corpo, provavelmente apenas um pouco do seu medo se exteriorizando. Chegou ao seu destino. Uma gota de arrependimento descera sobre sua face, as docas estavam fechadas naquele dia. O local estava absolutamente deserto, e era o cenário perfeito para um crime. Começara a desconfiar da veracidade daquela carta, pensou que fora muito irresponsável em não cogitar a possibilidade de ter sido enganado. Pegou a carta do bolso de seu paletó e leu-a novamente “Estarei te esperando às 10 horas nas docas”. Mais uma olhada no relógio, e via-se claramente que já eram transcorridos 20 minutos do combinado. Resolveu que seria mais seguro ir embora, aquela sensação de medo só crescera com a espera. Andou alguns passos até ouvir o doce som da voz dela o chamar, virou imediatamente e pode certifica-se de que estava correto. Mayra Muller, uma linda mulher se apresentava a sua frente. Palavras não foram ditas, apenas foi lhe entregue o pacote. Alguns segundos depois, mal se via sua silhueta ao longe. Ótimo, o pacote estava entregue, pensou calmamente. Agora sua parte estava feita, apenas esperava que ela fizesse a dela. Tomou seu caminho novamente a sua residência, quando percebeu que não estava sozinho. Um homem alto, de cabelos negros, trajando um casaco preto que cobria seu corpo quase inteiro, se portava em sua passagem. O medo foi impossível de conter, sua expressão era de puro pavor sobre aquela situação. As docas vazias, teria que lidar com ele sozinho e combates físicos não eram o seu forte.
-Muito obrigado pelo presente Mr. Gottsched, será de incrível importância para nossa organização.
Raciocinou rapidamente e reparou numa pequena estrela prateada no lado esquerdo do casaco, o pânico tomou conta dele. KPS, aquele homem era membro da KPS. A morte passou por dentro dos seus olhos. “Se ele conseguir o pacote, tudo estará acabado”, pensou. O homem abriu seu casaco e tirou uma luva preta bem gasta, colocou-a em sua mão direita e logo depois puxou um revolver. A silhueta de Mayra na escuridão o chamou atenção, teve vontade de gritar para que ela corresse. Se ela escapasse, sua morte teria valido a pena. Ingênuo pensamento, logo depois tudo se encaixou em sua mente. Ela havia o traído! É claro, essa é a única explicação. Agora tudo fazia sentido, o telefonema o informara sobre um traidor na organização, mas ele nunca imaginaria que fosse ela. Era uma pena, seus “sonhos libertinos” chegariam ao final sem terem se concretizado. No instante seguinte o som do gatilho ecoou...

3 Comentarios:

Luciene de Morais disse...

Que aprendiz, que nada Fernando! Escreve tão bem em prosa, como em poesia! Lindo ano a você.

Juliana disse...

Vaca....mata ela veeelho!!

Cris Animal disse...

Ainda viajando e com conexão às vezes...impossível. Passei por aqui para deixar um beijo e desejar à vc um ano novo LINDO. Assim que retornar, continuo seguindo vc....rs
Um beijo enorme e um 2009 cheio de luz.
Beijo grande...........Cris Animal

No céu também há uma hora melancólica.
Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas.
Porque fiz o mundo? Deus se pergunta
e se responde: Não sei.
(Carlos Drummond de Andrade)